INFERNO - UMA PERSPECTIVA
BÍBLICA
Segundo
pesquisa do Instituto Gallup realizada nos Estados Unidos em 1991 e publicada
na revista Christianity Today em maio do mesmo ano, 60% da população
norte-americana crê na existência do inferno, sendo que 34% das pessoas que não
professam nenhuma religião também acreditam na existência de um lugar de
punição eterna após a morte. Infelizmente, nem todas as igrejas e teólogos
entendem o inferno como uma realidade, mas apenas como um símbolo.
E você já
pensou no assunto? Para auxiliar estudantes e à nossa querida igreja evangélica
brasileira vejamos o que as Escrituras Sagradas e teologia evangélica nos
ensinam sobre o inferno.
Duas
palavras gregas: hades e geena
Duas palavras gregas e uma hebraica nos dão o roteiro para a compreensão da
realidade do inferno, nas Escrituras Sagradas. Os gregos e os romanos, partindo
da mitologia e da religião do império, consideravam que o tártaros era o lugar
para onde iam as almas. O tártaros estava localizado abaixo do hades. Assim, o
hades era o lugar dos mortos, um lugar de sombras, lúgubre e frio. Essa palavra
[hades] aparece 11 vezes no Novo Testamento [Mt 11.23; 16.18; Lc 10.15, 16.23;
At 2.27,31; 1Co 15.55; Ap 1.18; 20.13-14] e é quase sempre traduzida por
inferno, embora às vezes também apareça como "morte".
A segunda
palavra grega importante é geena, e é uma corruptela de "vale de
Hinom", uma depressão profunda que ficava ao sul de Jerusalém. Ali, sob o
governo do rei Manassés, os hebreus sacrificavam seus próprios filhos a Moloque.
O ídolo, que era oco, era aquecido por dentro, até ficar em brasa e, então, as
crianças eram jogadas em seus braços. Mais tarde virou o lixão de Jerusalém,
onde eram queimadas as carcaças de animais e os corpos de criminosos
executados. O fogo e a fumaça permanente do lixão queimando criou a imagem que
os hebreus nos transmitiram de inferno. Devido a esses horríveis pecados, e
porque ali também era o lugar onde o lixo era queimado, passou a ser sinônimo
de lugar de castigo eterno [Mt 18:8,9; Mc 9:43]. Para Jesus, o homem ímpio será
lançado no inferno, no vale de Hinom.
Assim,
geena é um lugar de tormentos e miséria. É uma dimensão separada da presença de
Deus, há trevas, fogo, não há luz, é quente, desconfortável e as condições
existentes produzem sede e outros sintomas de insolação. Lá as pessoas perecem,
já que estão distante da Vida, que é Cristo. Este lugar foi preparado
especialmente para o diabo e seus anjos, mas será também a habitação dos ímpios
por toda a eternidade. A palavra geena aparece 12 vezes do Novo Testamento [Mt
5.22, 29, 30; 10.28; 18.9; 23.15, 33; Mc 9.43, 45, 47; Lc 12.5; Tg 3.6].
Dessa
maneira, apesar da diferença etimológica das duas palavras gregas elas
apresentam uma mesma idéia: um lugar de punição para os perdidos. Ainda encontramos
no Novo Testamento o verbo tartaróo como sinônimo de "lançar no
inferno". Em 2Pe 2:4 a expressão "precipitando-os no inferno",
segundo alguns teólogos, pode referir-se a esfera intermediária (abismos de
trevas) onde anjos caídos aguardam o julgamento final, conforme Lc 16:23-26, Ap
20:11-15.
Sheol,
uma garganta insaciável
No Antigo Testamento a palavra hebraica sheol é usada como sepultura (Gn 37:35;
Is 38:10) e inferno (Dt 32:22; Sl 9:17). Uma das idéias básicas de sheol é a de
algo como uma garganta insaciável. O conceito não era muito bem definido e os
hebreus recheavam esta vageidade com elementos os mais variados. Assim, o sheol
estaria debaixo da terra (Nm 16:30, Ez 31:17; Am 9:2), tinha portas (Is 38:10)
e era um lugar tenebroso e melancólico, onde a alma consciente vivia triste e
inativa (2Sm 22:6; Sl 6:6; Ec 9:10).
No Novo
Testamento, sheol deixa de ser um lugar para onde vão todos os mortos e passa a
designar principalmente o inferno. Temos então uranos [céu] e hades [inferno]
como lugares opostos, o primeiro de recompensa e o segundo de punição.
A
parábola do Lázaro reafirma a idéia de que existem dois lugares, um de punição,
o hades, e outro de recompensa, no caso o seio de Abraão ou paraíso. É
interessante ver que o texto não usa geena, mas hades, o que leva alguns
teólogos a considerar a existência de uma habitação dos mortos no mundo
inferior, como lugar de espera para o juízo final.
De todas
as maneiras, Jesus na parábola do Lázaro (Lc 16:19-31) está falando de uma
dimensão onde não há gozo, onde há memória do passado, remorso, sede insaciável
e condenação definitiva. Dessa maneira, se considerarmos que a parábola
transmite informações sobre a vida além-túmulo temos que descartar qualquer
possibilidade de existência de um lugar de purgação e mesmo de salvação após a
morte.
Assim, no
inferno há sofrimento mental e físico. Há remorso, lembranças de épocas que
foram melhores, dores físicas provocadas pelo calor, pela distância e pela
separação de Deus, fonte de todo o bem e vida.
Embora existam diferenças culturais e etimológicas, conforme apresentamos
anteriormente, as três expressões [hades, geena e sheol] traduzem uma única
idéia: a da punição eterna.
O inferno
é mesmo um lugar horrível?
O escritor e teólogo inglês C. S. Lewis responde de forma inteligente à esta
questão. Diz ele: "Pode haver grande parte de verdade no ditado: 'o
inferno é inferno, não de seu próprio ponto de vista, mas do ponto de vista
celestial'. Não acredito que isto interprete mal a severidade das palavras de
Nosso Senhor. Somente aos condenados é que seu destino poderia parecer menos do
que insuportável. E deve ser admitido que (...) à medida que pensamos na
eternidade, as categorias de dor e prazer (...) começam a retroceder, enquanto
bens e males mais vastos surgem no horizonte. Nem a dor, nem o prazer como tais
têm a última palavra. Mesmo se fosse possível que a experiência (se pode ser
chamada assim) dos perdidos não contivesse dor mas muito prazer, ainda assim,
esse prazer negro seria de um tipo tal que faria qualquer alma, ainda não
condenada, voar para suas orações num terror de pesadelo". C. S. Lewis, O
Problema do Sofrimento, São Paulo, Mundo Cristão, 1983, p 90-91.
Mas
vejamos o que o Senhor Jesus nos diz sobre o inferno: Mt 7.19; 8.12; 10.28;
13.42, 50; 18.9; 22.13; 23.33; 25.30, 41, 46; Mc 9.47-48; Lc 12.5, 46-48;
13.28; Jo 5.29.
Se
voltarmos ao texto já citado de C. S. Lewis, vemos que "entrar no céu é
tornar-se mais humano do que jamais alguém o foi na terra e entrar no inferno é
ser banido da humanidade. O que é lançado no inferno (ou se lança) não é um
homem: são refugos". Há duas questões que devem ser levadas em conta: (1)
a punição eterna só virá depois do julgamento diante do grande trono branco.
Embora, ao morrer o ímpio já esteja irremediavelmente condenado, a punição
eterna, final, ainda não aconteceu. (2) Satanás não é senhor do inferno. No
inferno, ele e seus anjos cumprirão uma pena eterna, sob o senhorio pleno de
Jesus Cristo.
Existem
níveis de inferno?
Tudo indica que sim. É um lugar de obediência, onde a punição cumpre uma ordem
criada pelo próprio Senhor Jesus Cristo, a quem foi dado o poder sobre todas as
coisas, inclusive sobre o inferno [Mt 18.6-7; Mc 12.40; Lc 12.47-48; 17.1-2;
22.22-23; Ap 20.12].
Segundo
Vernon Grounds, "em vez de igualdade absoluta, a Escritura indica uma
desigualdade infinita na punição. Haverá 'poucos açoites' e 'muitos açoites'.
(...) Obediência será a condição normal no inferno. É inútil especular como ela
será conseguida. Pode ser que o reconhecimento da perfeita justiça e bondade de
Deus leve os perdidos a aceitarem o seu destino. (...) Não há ociosos em uma
cadeia bem disciplinada; na grande penitenciária de Deus, deve a ociosidade
reinar suprema? (...) Devemos supor que todas as energias dos perdidos deverão
ser consumidas em tarefas de castigo sem objetivo? (...) A Escritura não deixa
dúvidas de que no mundo vindouro o castigo do pecado será real e perscrutador.
Sabemos que ele acarretará banimento da presença de Deus e, além disso, que um
amor infinito e uma justiça perfeita medirão o cálice que cada um precisará
beber. Todavia, além disso não sabemos absolutamente nada". [Vernon
Grounds, O Estado Final dos Ímpios, in Imortalidade, Russel Shedd, Alan
Pieratt, São Paulo, Vida Nova, 1992, p 144.]
O inferno
foi preparado para alguém?
Sim, para o diabo e seus anjos. O lago de fogo foi preparado para Lúcifer e
seus anjos [Ap 19.19-20; 20.7-15]. Após o julgamento, serão lançados no lago de
fogo e enxofre a morte e o inferno. Em seguida, todos aqueles que não estavam
inscritos no livro da vida serão lançados no lago de fogo. O inferno será uma
conseqüência do juízo, onde Deus retribuirá a cada um segundo o seu
procedimento: dará a vida eterna aos que perseverando em fazer o bem, procuram
a glória, a honra e a incorruptibilidade; mas derramará sua ira e indignação
sobre aqueles que desobedecem à verdade e obedecem à injustiça. Todo homem que
faz o mal terá como recompensa tribulação e angústia. É uma penalidade de
eterna destruição, banidos para sempre da face de Deus e da glória do seu
poder.
Todo
aquele que calcou aos pés o Filho de Deus, profanou o sangue da aliança e
ultrajou o Espírito da graça (Hb 10:29). "Estes, sem Cristo, sem esperança
e sem Deus no mundo (Ef. 2:12) estão debaixo da lei, debaixo do pecado, debaixo
da ira e debaixo do morte". James Packer, Nem Todos os Homens Serão
Salvos, in Imortalidade, Russel Shedd, Alan Pieratt, São Paulo, Vida Nova,
1992, p. 105.
O inferno
é eterno?
Se entendermos que inferno é sinônimo do lago de fogo e enxofre, ele é eterno.
Se considerarmos que inferno é o hades, e que será um dia -- ele próprio, assim
como a morte -- lançados no lago de fogo e enxofre, ele não é eterno. Mas, quer
no primeiro caso, quer no segundo, a punição definitiva -- o lago de fogo e
enxofre --, sem dúvida, é eterna [Rm 2.3-9; 2Ts 1.6-9; Hb 6.1-2; 10.27-29; 2Pe
2.17; 3.9; Ap 14.9-11; 21.8].
Dessa
maneira, não há base bíblica para afirmarmos que a punição não seja eterna. É
importante notarmos que essa punição significa em última instância separação da
presença de Deus. Embora o nível de sofrimento, tribulação, angústia e dor
possam ser diferentes, a separação de Deus é a realidade maior para todos os
ímpios.
Sem
dúvida, o inferno é um ensino claro de Jesus, das Escrituras Sagradas e aceito
por grande parte da igreja evangélica. Deve ser ensinado nas igrejas e faz
parte do discipulado cristão. Por isso, finalizamos este estudo com as palavras
do teólogo J. I. Packer:
Cremos na
"realidade do inferno como um estado de punição eterna e destrutiva, no
qual a retribuição justa de Deus é diretamente experimentada... [na] 'certeza
do inferno para todos os que o escolhem, através da rejeição de Jesus Cristo e
de Sua oferta de vida eterna... [na] justiça do inferno como uma aflição justa
da humanidade, causada por Deus, devido às nossas obras malignas e cruéis"
[Good Pagans and God's Kingdom, in Chistianity Today, 30:1 (Jan. 17, 1986):22].
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